segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Outros blogs/Eterno Millôr

"O Labirinto de Borges


Borges em seu labirinto. Labirinto que, além de seu mistério natural e ancestral, ganhou aqui, na composição, a profundidade misteriosa de livros, livros, livros - a biblioteca real e mística de Borges. A limitação do infinito. Em nome disso traduzi este poema de Borges. Não deixe de ler.

Millôr


LIMITES

De todas as ruas que escurecem ao pôr-do-sol,
deve haver uma (qual, eu não sei dizer)
em que já passei pela última vez
sem perceber, refém daquele Alguém

que, com antecedência, fixa leis onipotentes,
ajusta uma balança secreta e inflexível
para todas as sombras, formas e sonhos
tecidos na textura desta vida.

Se há um limite para todas as coisas e uma medida
e uma última vez, e nada mais, e esquecimento,
quem nos dirá a quem nesta casa
nós, sem saber, já dissemos adeus?

Pela janela que amanhece a noite se retira
e entre os livros empilhados que lançam
sombras irregulares na mesa baça,
deve haver um que eu jamais lerei.

Há uma porta que você fechou pra sempre
e algum espelho o esperará em vão;
para você as encruzilhadas parecem muito amplas,
mas há um Janus, vigiando você, nos quatro cantos.

Há uma entre todas tuas memórias
que agora está perdida além da evocação.
Você não será visto descendo àquela fonte,
seja à luz do sol claro, nem sob a lua amarela.

Você nunca recapturará o que o Persa
disse em seu idioma tecido com pássaros e rosas,
quando, ao pôr-do-sol, antes que a luz disperse,
você quer pôr em palavras tanto inesquecível.

E o Rhone fluindo sem parar, e o lago,
todo esse vasto ontem sobre o qual me curvo hoje?
Estará tudo tão perdido como Cartago,
queimada pelos romanos com fogo e sal.

Ao amanhecer parece ouvir o turbulento
murmúrio de multidões crescendo e dissolvendo;
tudo por que fui amado, esquecido,
espaço, tempo, e Borges, estão me deixando agora".

leia também "Arrabalde"

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Reflexões sobre um furto

Um rapaz magro, alto, de uns 16 anos surrupiou-me a bolsa num ponto de ônibus na rua Chile, voltando do show de Gal Costa, por volta de 22:50. Primeiro o susto, a impotência, dar-me conta que em vez de pegar o ônibus e voltar pra casa, teria que ir a uma delegacia prestar queixa. Estava com uns amigos (dois homens), que ainda tentaram alcançar o rapaz, em vão. Voltaram desculpando-se por não terem conseguido. Apareceram dois policiais (incrível como parece tudo arquitetado, na hora não tinha policial nenhum) que me sugeriram ir à delegacia do Terreiro de Jesus. Pedi (achei q estava na Suiça) para me levarem lá, mas estavam sem viatura. Fui a pé, com duas amigas. Na Praça da Sé encontramos três guardas, contei-lhes o ocorrido e me disseram que eu teria que ir aos Barris, porque a delegacia do Terreiro só atende a turistas. Não acreditei! Quer dizer q baiano não pode ser assaltado naquela região? Insisti e fomos à delegacia de atendimento ao turista (chama assim). Três pessoas estavam prestando queixa de assaltos, mas logo, surpreendentemente, fui bem atendida por um policial civil que se queixou e me perguntou se tinha lido o jornal do dia, onde noticiavam a soltura de 140 ladrões por falta de espaço no sistema presidiário. Segundo ele, os ladrões presos (quando o são) gozam com a cara deles, porque sabem q logo serão soltos, inclusive por advogados q os atendem de graça, para serem pagos depois, com o lucro dos assaltos. Registrada a queixa, pegamos um taxi e logo o assunto voltou, o taxista disse-me que eles sabem a hora de troca de guarda, o q em tese já é um absurdo, porque não deveria ficar em aberto hora nenhuma. Gostei da minha reação. Não fui agredida fisicamente, nenhum arranhão, nada, apenas fiquei sem a bolsa q continha um celular legal e meus óculos de grau, além de cartões, facilmente bloqueáveis.
Fiquei puta com a corrupção que é, no final das contas, a grande responsável por situações como essa. Se os bilhões de reais que correm pelo ralo e nunca, NUNCA são devolvidos aos cofres públicos, se esse dinheiro fosse aplicado em educação, saúde, emprego, certamente esse rapaz não precisaria correr o risco de se expor a um furto tão pouco lucrativo para ele, com exceção de um celular q deve ter vendido na primeira esquina por uma mixaria para cheirar cola ou fumar crack. Não custa insistir que a Polícia Federal RECUSOU o prêmio de cinco milhões de dólares pela prisão do traficante colombiano Abadia. Já comentei isso aqui, o quanto esse dinheiro poderia ser usado não para construção de presídios (que é o atestado da incompetência da segurança pública brasileira) mas para a recuperação de jovens cooptados pelo tráfico como a única possibilidade de ascenção social e massacrados pela mídia para terem o tênis da moda ou a moto possante.
Quando é q teremos punição para os corruptos e devolução do dinheiro público, e aplicação correta da CPMF? Sei não!!!

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A evolução cultural/Pierre Levy (parte 3)

Dois argumentos me forçam a recolocar em questão a pretensa oposição do capitalismo e da democracia e a apreciação negativa do papel do ciberespaço na relação entre a "lei" do mercado e a da cidade.
Primeiro: faz valer o desenvolvimento notável de uma nova esfera pública sobre a internet e a argumentação correlativa das possibilidades de informação, livre expressão, discussão da cidadania e coordenação autônoma dos movimentos políticos e sociais.
As cidades digitais aperfeiçoam a democracia local. As ágoras virtuais renovam as formas da deliberação e debate político. Os e-governos devolvem às administrações públicas mais transparência para os cidadãos. Se as ditaduras temem tanto a internet é simplesmente porque ela representa um vetor de transparência, de liberdade e de democracia que lhes ameaça diretamente.
Segundo: A perspectiva de um governo democrático planetário, no qual a mundialização econômica constitui precisamente a locomotiva. A unidade ecológica, científica, técnica, mediática, comercial e financeira da Terra tornam-se de tal modo palpável que terminaremos, segundo as modalidades e os prazos difíceis de prever, por instaurar uma lei democrática mundial a fim de regular e equilibrar processos em si mesmos planetários. O capitalismo unificado define por sua escala mundial as leis locais, fragmentadas, diversas e portanto parcialmente impotentes de múltiplos estados-nação provenientes da civilização da imprensa. Mas essa definição assusta o caminho à cidade universal da civilização do computador. O capitalismo mundial, longe de se opor, clama uma lei planetária, uma ciberdemocracia altamente participativa ligada ao novo espaço público da web.

A evolução cultural (parte 2)

Em termos de poder, o campo político planetário se polariza em dois campos principais: de um lado os mundialistas, isto é, o governo dos EUA e seus aliados. Este campo tem de seu lado o poder tecnológico, econômico, militar, a força cultural das grandes mídias comerciais e, sobretudo, o apetite de prosperidade, de consumo e de comunicação da imensa massa da população mundial, quaisquer que sejam seus ideais políticos. Do outro lado, encontram-se os governos e os movimentos sociais que se opõem à mundialização sob hegemonia americana. Nesse campo é necessário notar que os governos são geralmente não - ou pouco - democráticos.


Imaginemos a esse propósito uma mundialização que não seja feita pela liberdade de comércio e de comunicação. Uma mundialização sob comando nazista ou soviético ou comunista chinês, por exemplo.


De outro lado, os movimentos de base anti-mundialista como Europa, Ásia-Pacífico desenvolvida e Estados Unidos. Uma importante parte das elites culturais são partidários às teses de "oposição" à mundialização, quer dizer, uma verdadeira oposição no quadro político contemporâneo.


Sobre o plano das idéias os mundialistas favorecem o progresso técnico, principalmente esse da Internet, abertura de mercados, o capitalismo, a democracia e os direitos humanos. Os anti-mundialistas, ideologicamente menos homogêneos, militam geralmente pela defesa das identidades nacionais, são geralmente anti-americanos, não gostam do capitalismo e são a favor da manutenção do papel do estado na economia e o controle das desigualdades sociais. Dir-se-á que os mundialistas insistem sobre valores de liberdade e universalidade, ao passo que os anti-mundialistas insistem sobre valores de igualdade e diversidade. A priori, esses dois conjuntos de valores são mais complementares que opostos. A luta, geralmente violenta, entre os dois partidos, é talvez a aparência local, particular e momentânea disto que poderá representar uma certa forma de equilíbrio dinâmico, se nós aceitamos fazer um esforço para perceber a evolução da situação em uma escala mais vasta.


Nesta perspectiva simplista, a mundialização econômica e financeira parece representar o triunfo do mercado sobre a democracia. O desenvolvimento de todas as formas de comércio e de transação financeira num ciberespaço desterritorializado, esta pretensa vitória do mercado sobre a democracia e esta proporcionalmente maior que as leis (forçosamente nacionais) parecem não mais poder se aplicar. Mas este esquema é muito grosseiro. Estou convencido que a denúncia e a crítica dos excessos e abusos das grandes multinacionais é útil e necessária.


Visto que os atos são orientados para o lucro material sem se importar com os direitos das pessoas e sem nenhuma compaixão pelo próximo, é justo que eles sejam postos em evidência e acusados pelas leis. A liberdade de expressão e a facilidade de informação permitida pela internet vão por outro lado precisamente nesta (boa) direção.
(segue parte 3 no próximo post).

terça-feira, 21 de agosto de 2007

A evolução cultural/Pierre Levy

(na época em que trocava emails com Pierre Levy, recebi esse texto em francês e traduzi trechos que considero importantes. Como é um texto grande, vou publicando aos poucos).

Apesar da globalização da informação, não existe um consenso planetário, ao contrário, a opinião é dividida entre os prós e os contras, os partidários e os opositores. É essa dinâmica conflitual que faz a opinião pública viva. O que unifica a opinião pública não são as idéias nem as posições políticas, mas seus objetos de atenção - guerras, catástrofes, eleições ou troca de regimes, os jogos olímpicos, as copas.
Para Marshall McLuhan há o desenvolvimento progressivo de uma consciência política global (ainda que conflituada) como fruto das mídias eletrônicas e todas as formas de interconexão: fluxo de pessoas, de mercadorias, de dinheiro, de técnicas.
A novidade da internet na mundialização da política reside, principalmente, na possibilidade para os movimentos de oposição ou para as organizações ativistas de se organizarem e de se coordenarem em tempo real em uma escala planetária. A verdadeira inovação consiste na flexibilidade e na facilidade dos processos de coordenação.
Não se tem mais necessidade de se organizar burocraticamente, hierarquicamente. Peter Waterman fala da passagem de um internacionalismo organizacional a um internacionalismo comunicacional.
Manifestações pontuais, organizadas em rede, demandam menos tempo e dinheiro e são mais eficazes. Manifestações contra a OMC, FMI, Banco Mundial, símbolos da "globalização selvagem neoliberal" são exemplos os mais impressionantes do nascimento de uma nova forma de ação política planetária. Juntam pessoas de todos os continentes, concernentes a sujeitos mundiais, organizados por intermédio do meio planetário por excelência que é a Internet.
Essas manifestações de "oposições planetárias" são, em perspectiva, a emergência de um proto-governo planetário. Sabemos perfeitamente que não existe, ainda, um governo planetário, mas ele pode ser vislumbrado em perspectiva porque a polarização política contemporânea indica o conflito entre um governo planetário e sua oposição, mas também porque mais e mais organismos internacionais deixam entrever uma tal virtualidade.
A OMC figura em todo tipo de "proto-ministério do comércio" de um governo mundial. O Banco Mundial e o FMI indicam futuros ministérios das finanças. O G8 e o G20, a Secretaria de um futuro Senado Mundial; a OMS, o embrião do Ministério Global de Saúde; A OIT, um Ministério Mundial de Questões Sociais; a Unesco, Ministério Mundial de Educação e Cultura. A Corte de Haia, uma Corte Superior planetária; Secretaria Geral da ONU - redução da violência e conflitos em grande escala e só um organismo internacional a dispor de uma força armada poderá representar o embrião de um ministério do governo mundial (um "interior" anormal, sem trabalhos exteriores) fiscaliza a execução de leis internacionais e/ou mantém a justiça à escala de relações entre os povos. Claro que o governo de uma futura federação mundial remanejará profundamente as instituições internacionais já existentes. E lhes dará, sobretudo, um fundamento democrático (transparência, obrigação de prestar contas, eleições livres, deliberação e controle à escala planetária) bem superior a estas de hoje.
(Segue segunda parte no próximo post).

domingo, 19 de agosto de 2007

outros blogs/A onda agora é andar de buzu 2

Vejam o q Sonia Francine Gaspar Marmo, colunista da folha de sp no "blog da soninha", escreve sobre andar de ônibus.

Idéias, deslocamentos e demônios.
Sempre lembro de uma entrevista do João Gordo em que ele dizia que passou a ter mais dificuldade para escrever letras de música depois que começou a andar de táxi – de ônibus, ele tinha milhares de idéias.

Táxis, pelos personagens que você encontra atrás do volante, também são sugestivos. Mas a inspiração no ônibus realmente é diferente. Talvez seja porque você pode se desligar completamente do trajeto e prestar atenção (ou se deixar distrair pela) paisagem – no táxi, às vezes você precisa explicar onde virar, sem falar que o motorista pode exigir alguma atenção. E no ônibus o mundo chega mais perto; a conversa no banco de trás, o personagem ao seu lado... E tem a vista lá do alto, de onde se enxerga atrás dos muros e se avistam coisas que não existiam quando você estava no carro.

Andar a pé também desencadeia torrentes de idéias, é impressionante. Parece que elas acompanham a transpiração, perdendo também algumas de suas toxinas pelo caminho.

Na entrevista que Ingmar Bergman deu ao NYTimes em 95, depois de anos sem falar com a imprensa, reproduzida pelo Estadão logo depois que ele morreu, o repórter Alan Riding escreveu: “Os “demônios” que tentou exorcizar em muitos de seus filmes parecem estar sob controle. “Eles sabem que podem me alcançar de manhã cedo e, se fico na cama, me invadem por todos lados”, garante com uma risada. “Mas eu os engano porque me levanto. E eles odeiam ar fresco. Caminho rapidamente em todo tipo de tempo, e eles odeiam isso”.

Perfeito

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

guiness de cacos/o maior descalabro do planeta

Não sei se vocês repararam, porque notícia importante sempre passa de madrugada, ou sempre muito disfarçada no meio do noticiário. Mas a polícia federal brasileira RECUSOU o prêmio de 5 milhões de dólares por ter capturado o maior traficante da Colômbia na atualidade, num luxuoso condomínio em SP.
Sou contra a glamourização dos traficantes, acho que é urgente uma repensada na legalização das drogas para que não vire esse conluio entre traficantes e ex-policiais ou objeto de fetiche entre jovens pobres de periferia que vêem nessa atividade a única forma de terem o tênis caro que a mídia insiste em propagandear ou a moto mais possante, enfim, a única possibilidade de ascenção social numa sociedade tão absurdamente desigual.
Mas enquanto traficante é criminoso e a cabeça desse preso só valia menos que a de Bin Laden para os americanos, como é que a polícia brasileira, depois de um trabalho minucioso e surpreendentemente inteligente de investigação, recusa um prêmio desses?
Parece que estamos nadando em dinheiro. Essa grana bem que podia ser usada em programas de reabilitação de jovens drogados ou em vias de se envolver com o tráfico. Realmente, essas notícias causam em mim uma tal indignação que aumenta quando não vejo repercussão na mídia, e passamos, imediatamente, para o escândalo da vez, deixando para trás todos os outros escândalos que se sucedem... Brasil, Brasil, quando é que vamos tomar jeito?

terça-feira, 14 de agosto de 2007

outros blogs/rufo

A persona tem aparência simples e vai na frente, guiada por um homem, intimamente persuadido, que segue logo atrás.

)Luiz Carlos Rufo(

Vejam que delicado paradoxo: "guiada por um homem que segue logo atrás". Consegue alcançar a sensibilidade de Chico Buarque naquela obra-prima Todo Sentimento, onde diz: "Apenas seguirei, como encantado, ao lado teu". Rufo não segue ao lado, segue atrás, ainda que guiando.

Essa e outras pérolas vocês encontram no http://www.luizcarlosrufo.blogspot.com/ . Visitem e conheçam, além de um grande poeta e escritor, um artista plástico dos mais criativos nesses tempos de insossas repetições...

domingo, 12 de agosto de 2007

Outras Crônicas/Preto e Branco/Fernando Sabino

Perdera o emprego, chegara a passar fome, sem que ninguém soubesse: por constrangimento, afastara-se da roda boêmia que antes costumava freqüentar - escritores, jornalistas, um sambista de cor que vinha a ser o seu mais velho companheiro de noitadas.
De repente, a salvação lhe apareceu na forma de um americano, que lhe oferecia um emprego numa agência. Agarrou-se com unhas e dentes à oportunidade, vale dizer, ao americano, para garantir na sua nova função uma relativa estabilidade.
E um belo dia vai seguindo com o chefe pela rua México, já distraído de seus passados tropeços, mas tropeçando obstinadamente no inglês com que se entendiam - quando vê do outro lado da rua um preto agitar a mão para ele.
Era o sambista seu amigo.
Ocorreu-lhe desde logo que ao americano poderia parecer estranha tal amizade, e mais ainda incompatível com a ética ianque a ser mantida nas funções que passara a exercer. Lembrou-se num átimo que o americano em geral tem uma coisa muito séria chamada preconceito racial e seu critério de julgamento da capacidade funcional dos subordinados talvez se deixasse influir por essa odiosa deformação. Por via das dúvidas correspondeu ao cumprimento de seu amigo da maneira mais discreta que lhe foi possível, mas viu em pânico que ele atravessava a rua e vinha em sua direção, sorriso aberto e braços prontos para um abraço.
Pensou rapidamente em se esquivar - não dava tempo: o americano também se detivera, vendo o preto aproximar-se.
Era seu amigo, velho companheiro, um bom sujeito, dos melhores mesmo que já conhecera - acaso jamais chegara sequer a se lembrar que se tratava de um preto? Agora, com o gringo ali a seu lado, todo branco e sardento, é que percebia pela primeira vez: não podia ser mais preto. Sendo assim, tivesse paciência: mais tarde lhe explicava tudo, haveria de compreender. Passar fome era muito bonito nos romances de Knut Hamsun, lidos depois do jantar, e sem credores à porta. Não teve mais dúvidas: virou a cara quando o outro se aproximou e fingiu que não o via, que não era com ele.
E não era mesmo com ele.
Porque antes de cumprimentá-lo, talvez ainda sem tê-lo visto, o sambista abriu os braços para acolher o americano - também seu amigo.

Cordel em Paris


Uma aluna brasileira estava na seção de gravuras da Biblioteca Nacional de Paris quando ouviu o professor falar, embevecido, da xilografia na literatura de cordel como "exemplo de domínio da técnica e estilo original".
É crescente o interesse no exterior pelo cordel. Aliás, alguns dos melhores trabalhos sobre a literatura de feira nordestina são do americano Marck J. Curran e do holandês Joseph Luyten.

A fábula das duas velhas ou A mulher que envelheceu de ciúme

Adolfo, 32 anos, foi à praia sozinho. Chegando lá, teve vontade de tomar uma cerveja em lata, mas acabou tomando duas. Como não tinha dinheiro nem para a primeira, pediu à vendedora, 65 anos, que lhe fizesse fiado e que ela poderia ir em sua casa cobrar.
Na outra semana Cristina, 25 anos, esposa de Adolfo, foi à praia, e como tinha dinheiro para tomar apenas uma cerveja não pôde assumir a dívida de Adolfo e, para não passar por má pagadora, resolver dar uma satisfação à vendedora e lhe disse: "Meu marido está lhe devendo duas cervejas, não é?". Ao que a vendedora respondeu: "É, e por sinal ele mandou eu ir em sua casa cobrar, mas como a senhora não estava, eu não quis ir". Ao que Cristina respondeu: "Mas eu não sou ciumenta", e a senhora: "Eu até falei com meu marido e ele achou certo eu não ir". Após a saída da senhora, Cristina começou a pensar melhor para entender o que ela queria dizer com isso. Surgiram duas hipóteses:
1. Que se Cristina chegasse de surpresa, vendo uma senhora de 65 anos nem tão estranha, já que ela a conhecia como vendedora de cerveja, fosse se incomodar, sentir ciúme.
2. Como a senhora tinha evocado a existência do marido, surge outra possibilidade: o medo de ser agarrada à força por Adolfo, casado, sozinho no apartamento.
Cristina a princípio achou um escândalo, aliás, dois escândalos: primeiro a senhora ainda se achar capaz de provocar ciúme em uma jovem mulher de 25 anos e, segundo e mais escandaloso: a senhora achar que poderia suscitar alguma espécie de tesão em um jovem rapaz de 32 anos.
Cristina, alarmada diante dessas alternativas, não mais deixou Adolfo ir à praia sozinho, nem ficar sozinho no apartamento. Sua vida virou um inferno. Passaram-se dez anos e Cristina, consumida de tanta preocupação, envelheceu 30 anos. Um dia voltaram à praia e Adolfo, alarmado, constatou que agora na história, não tinha apenas uma, mas duas velhas.

Outros poemas/parede de hospício

Estive doente, doente de tudo.
Tenho os braços cansados, não posso escrever.
Doente dos olhos, doente da boca, doente do corpo,
dos nervos até.
Dos olhos que viram mulheres formosas,
da boca que disse palavras em brasa,
dos nervos manchados de fumo e café.
Estive doente, doente de tudo.
Tenho os braços cansados, não posso escrever.
Eu quero um punhado de estrelas maduras,
eu quero as doçuras do verbo VIVER!

(encontrado em uma parede de hospício)

O Horizonte

Quando o muro de Berlim foi derrubado, parecia que naqueles escombros se escondiam os sonhos de boa parte da humanidade. Era confortável a existência do muro: uns ficavam de um de um lado, e outros do outro. Não se tinha muito o que escolher.
Depois da queda, ninguém tinha mais um definido lugar para estar, uma ideologia definida para abraçar. E o império soviético, que durante tantos anos parecia ameaçar ou enfrentar os EUA, mostrou-se tão frágil quanto uma casca de ovo.
E então? O capitalismo ganhou a guerra fria? É o fim da história, como querem alguns "aloprados"? O mundo está condenado ao capitalismo?
Não! Respondem algumas poucas vozes mais dissonantes.
O pensador Pierre Levy, por exemplo, vê "no horizonte, um capitalismo cada vez mais se transformar em comunismo, preservadas as liberdades individuais".
Ele parte do conceito de ciberdemocracia planetária, onde o mundo é cada vez mais transparente, os grandes escândalos financeiros cada vez mais desmascarados e o capital internacional cada vez circula mais pelo planeta.
O resultado disso? Uma ciberdemocracia sustentada, de um lado, pelo crescente acesso de pessoas à informação, e, por outro, um crescente interesse de grupos internacionais em investir nos países pobres (seja através dos governos, seja através de ongs) porque precisam de mercado consumidor.
Como já dizia o velho Marx: "o capitalismo traz no seu seio o germe da sua própria destruição". A mola mestra do capitalismo, o lucro, só é viável se houver mercado para consumir a produção industrial. Não é à toa que todos os bens de consumo são cada vez mas acessíveis: carro, telefone, vídeo, computador, internet.
Mais um detalhe: a tecnologia da informática, hoje acessível a muitos adolescentes, dispensa o conceito de mais-valia. Cada vez o trabalho manual é substituído pelo intelectual. Cada vez mais são as idéias, a criatividade, que podem inventar um programa para facilitar a vida de milhares de pessoas. Um adolescente criativo + um PC, eis a nova célula revolucionária. Isto não pode mais ser chamado de capitalismo, cuja mais valia é essencial. São novos paradigmas que estão convivendo com os destroços da guerra fria.

"A onda agora é andar de buzu"


Andar de ônibus é legal. As pessoas é que não sabem curtir. Como hoje é uma necessidade premente do planeta em época de aquecimento global, aqui vão algumas dicas para tornar sua viagem de "buzu", no mínimo, pitoresca.
De ônibus você não tem que se preocupar com estacionamento, roubo de carro, flanelinha, ambulantes nem com solidão. Como diz Bárbara Gancia, se você quer calor humano pegue um ônibus na hora do "rush".
Aliás, é a primeira coisa que você deve evitar, se for possível.
Procure se inteirar dos horários com os cobradores ou fiscais (se estes estiverem no ponto, normalmente ficam no início ou no final das linhas). Assim você evita perder horas nos pontos. Ao entrar nos ônibus, a primeira coisa a fazer é sorrir para o cobrador. É infalível. Deixe o dinheiro já trocado no bolso ou na mão. Se estiver bem humorado, puxe uma conversinha com o cobrador e você se surpreenderá o quão interessantes são essas figuras. Têm uma visão absolutamente singular da realidade. Afinal, já se disse que tudo na vida é passageiro, exceto cobrador e motorista, mas "converse com o motorista só o indispensável", sobra o cobrador.
Aí, então, procure seu lugar, que pode ser em pé, dependendo da hora, mas que deve, ainda assim, ser bem escolhido.
Janela é o máximo, mas como a procura é grande, dificilmente você achará uma. Corredor é médio, fica-se sujeito a pisadelas (ponha o pé pra dentro) e a "terras" indesejáveis. Neste caso, mantenha-se calma, olhe nos olhos do "terrador" que funciona, se ele não for muito doente. Se não der certo, arrisque um "com licença" e em última instância reaja ironicamente, tipo: "Você é tarado profissional ou amador?".
Se o ônibus estiver tranquilo, comece a olhar para todas as pessoas, começando pela frente. Tem muita gente interessante andando de ônibus. Isso ajuda a passar o tempo e a ampliar seus conhecimentos antropológicos.
Puxe uma prosinha com quem está ao seu lado. Ofereça um chiclete, qualquer coisa, e faça algum comentário sobre a realidade que vocês partilham naquele momento: o ônibus.
Nunca, em nenhuma hipótese, fique solto dentro do ônibus. Sempre segure firme em algum lugar, mesmo que esteja sentado, enquanto não colocam cinto de segurança nos nossos veículos do dia-a-dia, o "buzu".
Se o ônibus estiver vazio, levante com antecedência de um ponto ao que vai saltar. Aliás, um paulista achou engraçado que aqui em Salvador o povo não desce do ônibus, "salta".
Ao descer, não se esqueça de agradecer ao motorista, ou pelo menos dar um sorrizinho.
Não atravesse na frente do ônibus, mesmo que você ache que dá tempo. Pode não dar e ser um risco absolutamente desnecessário.
Seguindo essas instruções, você vai começar a ver o lado "light" do "buzu". BOA VIAGEM!

terça-feira, 7 de agosto de 2007

A mídia em julho

Pan/TAM/Pan/TAM/Pan/TAM/Pan/TAM/Pan/TAM/Pan/TAM


Pan = quatro vezes o orçamento inicial previsto: R$3.700.000.000,00

TAM = 199 mortos vítimas da ganância ilimitada e do desgoverno da crise aérea.

Ai de nós!

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Outros poemas

Pensar que a gente cessa é íngreme. Minha alegria ficou sem voz.

Manoel de Barros, poeta pantaneiro.