quarta-feira, 25 de abril de 2007

O palácio de Renée

O Palácio de Renée – parte IV

Vejam o que é a generosidade da natureza! Mal comecei no meu posto de escrava, sou informada (sim, mantenho estreitas relações com a camareira, por motivos óbvios) que Renée vai fazer uma viagem. Para onde, nem por quanto tempo ousei perguntar. Apenas fiquei encabulada com tão repentino destino. Em um dia eu era responsável pelas camisas de Renée e no dia seguinte já não havia Renée, pelo menos não haveria camisas a serem lavadas. Renée continua viajando, sem planos sobre a volta e eu aqui, agora que deixei de ser a escrava lavadeira das camisas para ser guardiã do palácio (todas as outras escravas se dispersaram). Meu posto eu não abandono. Tenho feito rigorosamente tudo para merecer a honra de ocupá-lo. Como fiel guardiã vigio, diuturnamente, o seu palácio.

O palácio de Renée

O palácio de Renée – parte III
Não é que o santo da santa é forte? Bastou evocá-la e logo ela achou de me achar um posto de escrava no Palácio de Renée. Maravilha!!! Escrava para lavar as roupas do príncipe. Precisava a santinha ser tão generosa? Eu responsável, pessoalmente, pela lavagem das suas camisas. Posto melhor não poderia desejar! Vamos ao teste de seleção: soube pela camareira do príncipe, porque eu agora só ando por perto, que tinha um posto de escrava número 325 para o palácio. Qual o serviço, perguntei aflita, louca para estar a altura de tão importante tarefa. “Lavar as suas camisas”, respondeu-me a camareira, com muita seriedade, duvidando da minha habilitação para o cargo. Em toda a minha pobre vidinha, eu, umazinha qualquer, não fazia nem idéia do que seria necessário para tão nobre cargo. Já pensaram? Euzinha, chegar tão perto do corpo inefável de Renée? Sentir o perfume da água e dos cristais com que se banha, conforme me revelou a inconfidente camareira, duas vezes ao dia: quando acorda do seu leito de vida e ao chegar ao palácio para dormir, sempre exausto do exaustivo posto de príncipe que Renée exerce em toda a sua plenitude. Imediatamente respondi, sim, claro que sim, claro que podia me candidatar à seleção. Ela ouviu-me meio cínica, debochando da minha capacidade, como quem diz: é por sua conta, não tenho nada com isso. A escrava supervisora é severa, alertou-me ela, como que numa última tentativa para que eu desistisse. Eu jamais desistiria, nunca, never, jamais, uma oportunidade dessas não bate duas vezes à mesma porta e assim me inscrevi, com a senha 36, para a seleção. O teste foi demorado, rigoroso e cansativo. Primeiro uma prova teórica, acerca das propriedades químicas e reações dos cristais sobre a água cristalina, sim, ainda existe água cristalina no planeta, mas para uso exclusivo de Renée. Me saí bem nessa etapa, pois tinha acabado de fazer um telecurso sobre o assunto, durante uma semana, das 3:00 às 5:00 da manhã, ocupando minhas noites insones, sem imaginar nunca que teria tão rápido proveito. O pior foi o teste prático. Nunca, jamais em toda a minha vidinha, tinha visto água cristalina. Como já disse, a água cristalina que ainda existe é de uso exclusivo de Renée. O teste consistia em adequar, sem uma grama de desperdício, isso foi logo avisado, a proporção de cristais que deveria utilizar para cada camisa. Deram-me quatro para o teste. Pedi ajuda de novo à Nossa Senhora da Candelária para que ela me iluminasse e fui, homeopaticamente, distribuindo os cristais sobre as camisas e a água. Sempre tinha a sensação que era pouco, só de lembrar o quanto Renée era perfumado, mas por outro lado tinha que me conter quando lembrava do item zero desperdício que me foi alertado. Finalmente, depois de nove trocas de água, encerrei o teste, ansiosíssima para saber como tinha saído. Pela cara da supervisora, super rigorosa, não dava para ter pista nenhuma do resultado, e ainda tinha quatro testes depois do meu, pois a administração do palácio encerrou as inscrições no número 40. Nada como ter informantes por perto. O resultado será afixado nos portões externos do palácio, informou-me a camareira, assim que tivermos uma resposta. Não preciso dizer que não dormi à noite, acendendo velas para que minha santinha intercedesse a meu favor. Mal clareou o dia, já estava eu e as minhas concorrentes, pelo menos cinco eu identifiquei, ansiosas pelo resultado. Quando o guarda do palácio veio com os papéis que seriam afixados, eu quase desmaiei, mas pedi de novo ajuda à minha santinha para suportar tanta aflição. Não é que fui selecionada? Eu e outra lá, pois decidiram, em edital, que seria muita imprudência deixar tão importante cargo nas mãos de uma pessoa inexperiente. Duas inexperientes podem agir melhor que uma, foi o que me confidenciou a camareira, a esta altura, minha amiga íntima. Começo quando? Perguntei ansiosa. Imediatamente! Respondeu-me a supervisora, super rigorosa, já estamos há uma semana sem lavadeira! Quis desmaiar, mas a santinha me segurou. Coloquei-me a postos e precisei voltar a lavar duas vezes uma diáfana camisa, porque vocês não fazem idéia de como é o guarda-roupa do príncipe. As camisas, que são da minha responsabilidade, são de uma textura quase inexistente, fluidas eu diria, para tentar chegar o mais próximo possível da realidade. Claro que o material é exclusivo, vem das arábias, não sei em que tipo de container, mas chegam impecáveis. O príncipe as usa pela manhã e à tarde já estão sob os meus cuidados. Esfregar, como se esfregam roupas plebéias, nem pensar, esgarçariam sua tênue textura. Então o método que desenvolvi, sob o olhar severo da supervisora, era fazer uma imersão nem tão sutil que fosse incapaz de lavá-las, nem tão forte que fosse capaz de estragar tão rico material. Algo ali entre o necessário e o essencial, num limite muito tênue, vocês hão de convir.

O palácio de Renée

O Palácio de Renée – parte I

Não tem Taj Mahal certo. O palácio de Renée é o mais luxuoso palácio do mundo. E, o que é mais importante: reside nele não uma linda mulher morta, capaz de depertar tanta dedicação.

Reside nele um lindo homem vivo e que, para completar é um gato de pele negra como uma noite de lua nova no sertão onde ainda não chegou o Luz para Todos. De dentes claros como o mais límpido marfim, de sorriso largo e de olhos transparentes. Os que Renée tem de mais lindo são os olhos. Transparentes. Alguém já viu alguém de olhos transparentes? É Renée.

Claro que como começamos nossa relação agora, pelo menos apenas essa semana fiquei sabendo o seu nome, apesar de paquerá-lo há séculos, não sei maiores sobre tão iluminada figura. Assim, sem sobrenome. Apenas Renée.

Pois bem. Hoje caiu-me do céu (das estrelas, diria Nietszche) o endereço de Renée. Não só foi-me revelado, como pude testemunhar, pela manhã, ele em seu leito de vida.

Renée dorme iluminado pelas estrelas, numa mega estrutura em frente ao Oceano Atlântico, aqui perto de casa.

Ou seja: preciso arrumar, imediatamente, um pretexto para passar na porta do palácio de Renée, assim como quem não quer nada, justo na hora em que ele estiver saindo. Sim, apesar de morar num palácio, Renée é homem absolutamente ocupado. Nunca está em seu palácio durante o dia, a não ser para dormir.

Detalhe: parece que mora sozinho. 22.03.2006




O palácio de Renée – parte II

Menino! O negócio é muito mais grave do que eu imaginava! Não é que hoje, sexta-feira, vi Renée de novo! Às 9:15 já saía do seu palácio. A minha sorte foi ter dado uma espiada pela janela, e já iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaa Renée passando. Ainda assoviei, duas vezes, mas nada. Imagina se um príncipe absolutamente ocupado vai ter tempo de dar bola para umazinha qualquer. Minha nossa senhora da Candelária! Me ilumina, ainda que não tivesse tido tempo de fazê-lo quando do horrendo massacre que entrou para a história com o seu nome. Agora, por favor, vê se dá uma luz a essa pobre criaturinha que não sabe, ainda, como abordar um príncipe tão iluminado.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Apenas um


Sei que chegará, tranqüilamente, o dia em que todo mundo vai ter um. Apenas um. Um pai, uma mãe, uma refeição, uma casa, um amigo, uma escola, um hospital, um parque, um analista, uma praia, uma tv, uma montanha, um meio de transporte, uma estrela, uma jangada, um arco-íris, um trabalho, um som, um cd “Cantigas de Infância”, um pé de mimo do céu, um de flamboyant e um de acácia. Basta um. Não é necessário mais de um. Tudo demais é sobra, é desperdício, é luxúria.

Um é luxo. Luxo para TODOS. Eu disse TODOS os habitantes do planeta Terra. Isso não é uma utopia. É a verdadeira ordem mundial e o meu mais profundo desejo. Espero ainda estar viva para ver este dia. Se não, pouco me importa.

Abertura

Inspirada nos “resmungos” de Ferreira Gullar, que do site passou a livro (tendência interessante essa, muito comum nos dias de hoje) resolvi chamar meu blog de “cá c’os meus botões". “Cacos” para os íntimos.

Para não alugar ouvidos alheios, vou postando aqui tudo o que converso comigo, tendo a liberdade de não ter compromisso com nenhuma “linha editorial”. Aliás, abaixo os editorialistas, o que é mesmo que dar chute em cachorro morto, já que eles hoje pouco ou nada apitam nessa terra de ninguém.

Depois de ler wunderblogs.com (o livro), que reúne alguns dos melhores blogueiros brasileiros, tomei a decisão de também ter um, onde pudesse ir registrando, sem obrigação de postagens diárias ou com mais de um post por dia, dependendo da veneta, observações sobre o cotidiano, sobre artes “in general” como adoram dizer os americanos, sobre prazeres, frustrações, indignações, devaneios, projetos, sonhos, enfim, sobre a vida.

Assim será meu blog. Claro que este só faz sentido se tiver leitores e espero ir conquistando amigos primeiro e depois o boca-a-boca, correndo todos os riscos de quem se expõe assim, tão despudoradamente. Vamos ver no que vai dar isso.