O palácio de Renée – parte III
Não é que o santo da santa é forte? Bastou evocá-la e logo ela achou de me achar um posto de escrava no Palácio de Renée. Maravilha!!! Escrava para lavar as roupas do príncipe. Precisava a santinha ser tão generosa? Eu responsável, pessoalmente, pela lavagem das suas camisas. Posto melhor não poderia desejar! Vamos ao teste de seleção: soube pela camareira do príncipe, porque eu agora só ando por perto, que tinha um posto de escrava número 325 para o palácio. Qual o serviço, perguntei aflita, louca para estar a altura de tão importante tarefa. “Lavar as suas camisas”, respondeu-me a camareira, com muita seriedade, duvidando da minha habilitação para o cargo. Em toda a minha pobre vidinha, eu, umazinha qualquer, não fazia nem idéia do que seria necessário para tão nobre cargo. Já pensaram? Euzinha, chegar tão perto do corpo inefável de Renée? Sentir o perfume da água e dos cristais com que se banha, conforme me revelou a inconfidente camareira, duas vezes ao dia: quando acorda do seu leito de vida e ao chegar ao palácio para dormir, sempre exausto do exaustivo posto de príncipe que Renée exerce em toda a sua plenitude. Imediatamente respondi, sim, claro que sim, claro que podia me candidatar à seleção. Ela ouviu-me meio cínica, debochando da minha capacidade, como quem diz: é por sua conta, não tenho nada com isso. A escrava supervisora é severa, alertou-me ela, como que numa última tentativa para que eu desistisse. Eu jamais desistiria, nunca, never, jamais, uma oportunidade dessas não bate duas vezes à mesma porta e assim me inscrevi, com a senha 36, para a seleção. O teste foi demorado, rigoroso e cansativo. Primeiro uma prova teórica, acerca das propriedades químicas e reações dos cristais sobre a água cristalina, sim, ainda existe água cristalina no planeta, mas para uso exclusivo de Renée. Me saí bem nessa etapa, pois tinha acabado de fazer um telecurso sobre o assunto, durante uma semana, das 3:00 às 5:00 da manhã, ocupando minhas noites insones, sem imaginar nunca que teria tão rápido proveito. O pior foi o teste prático. Nunca, jamais em toda a minha vidinha, tinha visto água cristalina. Como já disse, a água cristalina que ainda existe é de uso exclusivo de Renée. O teste consistia em adequar, sem uma grama de desperdício, isso foi logo avisado, a proporção de cristais que deveria utilizar para cada camisa. Deram-me quatro para o teste. Pedi ajuda de novo à Nossa Senhora da Candelária para que ela me iluminasse e fui, homeopaticamente, distribuindo os cristais sobre as camisas e a água. Sempre tinha a sensação que era pouco, só de lembrar o quanto Renée era perfumado, mas por outro lado tinha que me conter quando lembrava do item zero desperdício que me foi alertado. Finalmente, depois de nove trocas de água, encerrei o teste, ansiosíssima para saber como tinha saído. Pela cara da supervisora, super rigorosa, não dava para ter pista nenhuma do resultado, e ainda tinha quatro testes depois do meu, pois a administração do palácio encerrou as inscrições no número 40. Nada como ter informantes por perto. O resultado será afixado nos portões externos do palácio, informou-me a camareira, assim que tivermos uma resposta. Não preciso dizer que não dormi à noite, acendendo velas para que minha santinha intercedesse a meu favor. Mal clareou o dia, já estava eu e as minhas concorrentes, pelo menos cinco eu identifiquei, ansiosas pelo resultado. Quando o guarda do palácio veio com os papéis que seriam afixados, eu quase desmaiei, mas pedi de novo ajuda à minha santinha para suportar tanta aflição. Não é que fui selecionada? Eu e outra lá, pois decidiram, em edital, que seria muita imprudência deixar tão importante cargo nas mãos de uma pessoa inexperiente. Duas inexperientes podem agir melhor que uma, foi o que me confidenciou a camareira, a esta altura, minha amiga íntima. Começo quando? Perguntei ansiosa. Imediatamente! Respondeu-me a supervisora, super rigorosa, já estamos há uma semana sem lavadeira! Quis desmaiar, mas a santinha me segurou. Coloquei-me a postos e precisei voltar a lavar duas vezes uma diáfana camisa, porque vocês não fazem idéia de como é o guarda-roupa do príncipe. As camisas, que são da minha responsabilidade, são de uma textura quase inexistente, fluidas eu diria, para tentar chegar o mais próximo possível da realidade. Claro que o material é exclusivo, vem das arábias, não sei em que tipo de container, mas chegam impecáveis. O príncipe as usa pela manhã e à tarde já estão sob os meus cuidados. Esfregar, como se esfregam roupas plebéias, nem pensar, esgarçariam sua tênue textura. Então o método que desenvolvi, sob o olhar severo da supervisora, era fazer uma imersão nem tão sutil que fosse incapaz de lavá-las, nem tão forte que fosse capaz de estragar tão rico material. Algo ali entre o necessário e o essencial, num limite muito tênue, vocês hão de convir.
quarta-feira, 25 de abril de 2007
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