domingo, 30 de setembro de 2007

Santiago. Uma pausa para a delicadeza.


Não podia ter feito uma escolha melhor para encerrar o meu cansativo domingo. Depois de ter cumprido o meu dever, um trabalho que começou sexta e só terminou hoje à tardinha, resolvi ir ao cinema. Ia assistir "Hércules 56", documentário sobre a troca dos presos políticos pelo embaixador alemão, no cinema do Museu, meu preferido. Quando vou confirmar no cineinsite vejo, desolada, que excepcionalmente hoje não haveria a sessão de 20:45, a única que ainda daria tempo de pegar. Não suporto frustração. Eu quero pouco, eu quero dizer, eu não quero coisas difíceis, mas quando eu quero, eu quero muito. Já li que um sinal de maturidade é a capacidade de aguentar frustrações. Se for me basear nesse critério, sou a pessoa mais imatura do mundo. Qualquer frustração, por mais besta que seja, me tira do sério. Resolvo ver outras possibilidades de filmes, irritadíssima, quando me deparo com "Santiago" na Sala de Arte da UFBa. Outro defeito meu: sou avessa a lugares novos, pô, o cinema do museu é tão charmosinho, aquele café, imagino o que não deve ser essa tal sala de cinema da UFBa! pensei, cá com os meus botões. Mas João Moreira Salles merece qualquer sacrifício, continuei pensando, e estava mesmo muito a fim de ver esse filme que ele fez sobre um mordomo que serviu à sua família por 30 anos.
Lá fui eu! Lugar novo = trajeto novo, possibilidade de retorno duvidosa, estacionamento desconhecido, continuei irritada. Tudo isso foi facilmente contornável e cheguei ao local. Uma boa surpresa! Um mural lindo, iluminado, me dá boas-vindas. Estacionamento facílimo! Outra boa surpresa: o café charmosinho também existe lá. E a melhor e mais gratificante surpresa da noite: o filme.
Só para tirar onda, conheço João Moreira Salles desde o tempo em que ele escrevia para o NO (antes desse virar nomínimo, de saudosa memória!). A onda começa agora: tive a cara de pau de mandar para ele um trabalho de arte que fiz para concorrer ao Salão do MAM da Bahia em 2000. Meu trabalho foi recusado, mas eu gostava muito e queria a opinião de alguém abalizado. Mais abalizado que João impossível, ele tinha uma coluna de crítica de arte no NO e eu não perdia uma. Maior não foi a minha surpresa ao receber um email dele, maravilhoso, do qual sobraram vestígios na minha confusa memória, nem de longe tão surpreendente como a de Santiago, o mordomo do filme. Dizia mais ou menos assim: "O que esses jurados do MAM pensam? Que vão encontrar um Boticceli em cada esquina? Seu trabalho reúne duas qualidades raras: Concisão e Eloquência". Pronto! Ganhei muito mais que qualquer prêmio do MAM poderia me dar. Um elogio pessoal de João. Depois ele ficou como convidado do nomínimo, muito espaçadamente escrevia, para minha tristeza. Ensaiei algumas vezes ver o documentário que fez sobre as últimas semanas da campanha de Lula, Entreatos, mas nunca levei a cabo. Até que agora aparece esse deslumbre de filme chamado, simplesmente, Santiago.
É daqueles filmes que se sai do cinema com a enlevada sensação de que valeu a pena ter vivido só para ter o privilégio de ver uma obra dessas. Uma obra rara, de uma simplicidade e delicadeza quase singulares.
Ele tentou fazer o filme há 13 anos, fez o roteiro e algumas cenas com Santiago, mas depois não concluiu, até que uma amiga resolveu ajudá-lo a dar um destino a tão original enredo. E é exatamente o que ele faz: contar pra gente o que ele tinha pensado, porque tal cena era assim, memórias da sua infância atravessadas pelo olhar e pela genuína riqueza interior de Santiago. Amante de castanholas e de dinastias as mais diversas, 30 mil páginas escritas, Santiago pôde, com essas escolhas, livrar-se da melancolia de uma vida que não tem mesmo sentido, na opinião de meu amigo João. Sorry, periferia!

5 comentários:

Orlando Camargo disse...

Quase sempre é assim... tanto irritação na frustração, quanto a sensação de bem-estar com a descoberta de uma surpresa agradável.

Bjs!

Anônimo disse...

Não vi o filme mas vi a entrevista de João no Jô. E deu pra sacar que Santiago daria um ótimo blogueiro.

Se você não viu:

http://video.globo.com/Videos/Player/Entretenimento/0,,GIM729476-7822-JOAO+MOREIRA+SALLES+FEZ+DOCUMENTARIO+SOBRE+O+MORDOMO+DA+FAMILIA,00.html

Christiana Fausto disse...

obrigada, orlando, pelo comentário, e marcus, por favor, se não viu, vá correndo ver o filme, q realmente é fascinante! Obrigada pelo envio da entrevista de Jô, lamentei perdê-la, mas graças a vc pude ter uma idéia de como foi.

Hilda disse...

Ah, que vontade deu de assitir a esse filme... Espero que já esteja disponível em DVD.
E essa Sala de Arte de Ufba, que boa notícia!! Torcer para que mantenham o padrao de qualidade na seleçao de filmes.
Bjs,
Hildinha

Anônimo disse...

Gostei também bastante de ter assistido a este documentário. Lembro-me que da lista grande de documentários exibidos naquele domingo, Santiago me parecia o mais original. Três coisas me impressionaram muito naquele documentário. A primeira, claro, o próprio Santiago,que além de mordomo era um pesquisador, que se ocupava em boa parte do seu tempo a reunir informações sobre as dinastias, com requintes de detalhes ao escolher alguém , pertencente às dinastias, que o agradasse. O esmero com que armazenva cada um desses documentos, era também de impressionar, bem como seu desejo, de estar no mesmo ambiente desta burguesia, fosse como mordomo, ou pesquisador por conta própria.Os locais são demarcados, Santiago ainda se expressa com a distância de um serviçal e joão, como seu patrão.Me chamou também atenção à forma, digo, às ordens dadas no momento da gravação, um tom de quem dá ordens seguido por outro que obedece. Porém , mais rico talvez tenha sido a sensibilidade de se perceber esses locais já determinados, e talvez por conta disso,João não pôde ter ido um pouco mais a fundo naquela pessoa interessantíssima chamada santiago.Gostei bastante, Chris